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Encontro em Pombal de Ex-combatentes da Guerra do Ultramar

Textos e Fotos de: Carlos Morgadinho
Adiaspora.com

Todos os anos, por esta época da Primavera e Verão, embora muitos o façam também no Outono, é costume realizarem-se, por todo o país, centenas de almoços/convívios de veteranos da guerra colonial, ou do ultramar, que serviram e combateram integrados nas Forças Armadas Portuguesas entre os anos de 1961 a 1974 nas então ex-colónias de Angola, Guiné e Moçambique. Calcula-se que cerca de 800 mil militares se bateram para impor, pela força, uma política colonial caduca imposta pela ditadura do Estado Novo que então vigorava.

Desta estéril guerra levada a efeito pelos ditadores Oliveira Salazar e Marcelo Caetano  contra a vontade expressa de ceder a autodeterminação aos povos desses territórios que há mais de quinhentos anos se encontravam sob o jugo da nação lusa, morreram mais de dez mil militares portugueses não havendo, até ao presente, um número exacto para feridos e estropiados que é, no entanto, por muitos, estimado em mais de 70 mil. É também muito comum nestes encontros de veteranos estarem presentes familiares, as esposas, filhos e até netos para que, desta maneira, muitos deles serem apresentados a camaradas cujos nomes são, ao longo dos anos, evocados inúmeras vezes nas muitas conversas de serão e, desta maneira, num franco convívio, poderem confraternizar e cimentar e alargar mais ainda os laços de camaradagem que a todos une desde aqueles tempos recuados para, desta forma, serem relembrados por muitos e mais anos vindouros.

No corrente ano este encontro foi realizado em Leiria, mais propriamente a 9 kms desta, no sentido Pombal/Leiria, no restaurante "O Litoral", onde se concentrou mais de 200 ex-elementos do Batalhão de Transmissões 361 e suas famílias. Logo pelas 10.30 horas da manhã iniciou-se a concentração nos jardins daquele complexo hoteleiro, com um esmerado Porto-de-Honra  e, nestes momentos, via-se a grande satisfação nos rostos destes veteranos ex-combatentes pela oportunidade de se reencontrarem mais uma vez pelos fortes e longos abraços. Pelo meio-dia foi celebrada uma missa na Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, a 200 metros do referido restaurante, bem participada por intenção  dos camaradas já falecidos. Pelas 13 horas deu-se início ao almoço tendo para isso sido inicialmente tocado a clarim o “toque de silêncio” em memória de todos os camaradas falecidos cujos nomes (dos conhecidos oficialmente) foram evocados com respeito e saudade acrescidos de 8 mais recentes destacando-se os nomes do Curto Nunes, soldado conhecido por "Russo", ou "Soviético", por ter o cabelo e as sobrancelhas louras, e um grande nosso amigo, o furriel miliciano Constantino. Gostaríamos de frisar outro camarada desaparecido anos atrás, o cabo electricista, Carlos Gaspar Anacleto, falecido aqui em Toronto, excelente elemento ligado ao teatro, poesia  e que trabalhou também, como locutor, em diversas estações da nossa rádio local. Foi um momento de bastante emoção e houve até quem as brotasse lágrimas. Não é desonra nestes actos para quem conviveu de perto, por mais de quatro anos, numa autêntica irmandade, durante o serviço militar, ter nestes encontros de passar por uns escassos minutos recordando a perda de  “velhos” amigos e camaradas. Foi também, como não podia deixar de ser, para quem serviu em armas a sua Pátria bem amada, de pé, cantar o nosso hino nacional.

Este ano o encontro contou com a presença do general Garcia dos Santos (que fez parte do Comando Operacional da Pontinha na eclosão do 25 de Abril de 1974) e do coronel António Pena que serviram naquela unidade, este ultimo então tenente da Companhia de Material (conhecida por Companhia Rebola-Caixotes). Tivemos também a triste notícia do militar mais antigo da nossa unidade, da recruta do ano de 1942, não puder comparecer por problemas de saúde (a sua idade avançada  muito próximo dos 90 anos) mas, sempre, ao longo destes anos de convívio, ter comparecido e confraternizado com os seus colegas.

Muitos foram os militares desses tempos que deram um cunho “suis generis” àquela unidade e que se destacaram como o (Américo Vieira Lopes (151/62) mais tarde “convertido” em alferes miliciano; o furriel João Gordinho mais sorna que o saudoso colega Geraldes Cerqueira, bem conhecido por essa alcunha, o Sebastião Viola, António de Jesus Vilar (46/62), o Pereira da Silva (25/62), o João Teixeira Pinto (1961) que juntamente com o Meireles tem sido o organizador destes últimos eventos anuais, o Adriano Costa (o lutador), o Fernando Mota Joaquim (Brigadeiro), o Romeu (Risota) e um “molhinho” de furriéis milicianos como o Francisco Caetano (Monsenhor), o Hélder Carrilho, o José Nobre (Zé da Minerva), Pinheiro, Figueiredo, Baptista Lopes, Jaiminho, Lima Ferreira,  Carlos Santos, José Marques da Costa, José Gomes da Silva, Heleno Carreira, Delgadinho, Armando Ferreira, Luís Meireles  e claro o vosso escriba desta reportagem, o Carlos Morgadinho. Outros camaradas e suas famílias connosco confraternizaram alguns recordamos como o Hernâni Sebastião (59/62), Cordeiro (107/62), Leite (92/62), Abel Correia (1965), o Miller (1962), o António Rodrigues (22/62) que traz sempre as suas netinhas a estes convívios, o Manuel Monteiro (1963), o António Almeida (69/63) e outros cujos nomes e ano de incorporação olvidamos. Alguns destes infelizmente já não fazem parte deste mundo pela chamada do Todo Poderoso.Foi cortado e servido pelo general Garcia dos Santos um delicioso bolo cujas fatias foram acompanhadas com taças de champanhe e dado aos convivas enquanto se formulavam saudações de saúde e longa vida para todos os presentes e ausentes também aqueles que por várias razões foram impossibilitados de comparecer a este convívio.

Estes encontros não são, de maneira nenhuma, realizados para glorificar a guerra ou a sua obra de espalhar a morte. Todos estes veteranos,  ou ex-combatentes da chamada Guerra Colonial, foram chamados para, compulsivamente, pegarem em armas e serem enviados para os teatros de guerra no continente africano onde se lutou para quebrar a vontade dos seus habitantes de ansia de autodeterminação e de gerir os seus próprios destinos. Aqueles jovens de então, com pouco mais de 20 anos de idade, foram mentalizados no dever de defender o sagrado solo pátrio indivisível e o qual, por propaganda do ditador Salazar, fora “violado” por bandos armados apelidados de “terroristas”. Pura manipulação da verdade por parte dos nossos então governantes. No entanto, pouco a pouco, de ano para ano, o povo português começou a estar mais bem informado e atento à realidade que o tempo se encarregou de lhes mostrar. Nisto está bem patente a fuga de dezenas e dezenas de milhares de jovens para o estrangeiro para não virem a ser incorporados nas Forças Armadas e serem enviados para aquele conflito a milhares de quilómetros de Portugal. Depois foi a vez da frustração e do vão sacrifício dos que por lá cumpriram nas suas missões numa guerra desgastante onde não se visualizava um fim, nem político nem militar. Era uma guerra de nervos e de desgaste pois testemunhávamos que hoje morria um camarada destroçado por uma mina; no outro dia mais dois ou três feridos nas emboscadas; seguem-se os feridos por explosão de granadas ou minas, ou até por acidentes nas estradas ou nos rios. Houve outros cujos nervos os atraiçoavam ficando reduzidos a “farrapos” para o resto da vida sem que, por ironia, até bem há poucos anos, o governo da sua Pátria, os reconhecesse nesta sua incapacidade do "destroçar do sistema nervoso" e lhes fossem prestados o devido socorro nas especialidades.

Ainda hoje, no presente, é quase tabu mencionarem-se estes assuntos como se fosse um autêntico sacrilégio, e isso nota-se pela ausência de crónicas, reportagens destes convívios, divulgação ou notícias sobre tudo o que tenha por tema, ou título,  “ex-combatentes” ou da “guerra colonial”. Um autêntico silêncio tumular. Agora, em contra partida, ouve-se com mais frequência notícias dos portugueses e de unidades que presentemente cumprem missões de paz na Bósnia/Kosovo, Timor Leste e Afeganistão como sendo os “verdadeiros e únicos heróis dos filmes” do nosso envolvimento bélico. Sabemos que a guerra em África não era da simpatia da maioria das nações pelo contrário pois era então criticada e condenada, no seio da comunidade internacional, das Nações Unidas. Mas todos nós jovens não tínhamos outro meio de evitá-la, tendo apenas duas opções - ou recusarmos e obviamente sofrermos as devidas consequências nos cárceres ou da PIDE por sermos, e quase sempre, de rotulados de ”comunista” (nome dado a todo aquele que discordasse então com a política o ditador António Oliveira Salazar não importando a sua simpatia política) ou fugir do país, esta a mais viável mas sendo também não menos perigosa pois se fossemos capturados teríamos as prisões dos fortes militares à espera. Nós, os jovens de então, só tínhamos praticamente uma opção à nossa frente, a do caminho da guerra e, com um pouquinho de sorte, regressarmos dela sãos e salvos.

Podemos afirmar que, ao longo dos anos, termos verificado que a maioria destes veteranos são unanimemente contra qualquer forma do uso e recurso da força para se alcançar os fins pois todos eles acreditam na mais valia da solução das diferenças pela via de negociação e do diálogo do que pela força das armas.

Terminado o delicioso repasto foi tempo de chamar os veteranos, em grupo, pelo ano de incorporação, sendo-lhes tirada uma foto para a posteridade junto ao guião daquela unidade. Para aqueles que desconhecem gostaríamos de informar que o Batalhão de Transmissões 361 era, na sua totalidade, composto por militares de especialidades, como radiotelegrafistas, telefonistas, guarda-fios, técnicos de reparação de material electrónico e de transmissores, engenheiros electrotécnicos e que tinham por missão o de manter em funcionamento as ligações entre todas as unidades operacionais destacadas em campanha, com os comandos militares e com Portugal. Embora não sendo militares preparados para o combate como é o caso dos que serviram na infantaria, cavalaria, artilharia, caçadores, comandos, pára-quedistas e fuzileiros, éramos, no entanto, destacados ou transferidos para muitas dessas unidades operacionais já que a preparação de técnicos neste ramo de transmissões tinha forçosamente de serem formados pelo BTM361. E foi, nestas condições que infelizmente alguns dos meus camaradas morreram, foram feridos ou sofreram acidentes de certa gravidade.

Já estive em vários, sete ao todo, destes convívios da minha unidade que servi em África, e na verdade vos digo que não são festas, como já referi anteriormente, de glorificar a guerra ou os actos heróicos mas sim para fortalecer e disseminar a fraternidade e a camaradagem que então nos unia quando jovens. Éramos uma família, de autênticos irmãos nas alegrias, infortúnio e de sacrifício. Foi, para muitos, quatro anos de angústia onde diariamente se lidava com a morte que nos acompanhava para onde quer que fossemos. E os que não sobreviveram? É verdade. Houve alguns que não tiveram essa sorte mas houve em contra partida outros que ficaram por má sorte ou infelicidade, diminuídos fisicamente e cujos nomes, alguns dos meus melhores amigos, nunca os poderei olvidar como o Romeu (Risota), o Geraldes (Sorna), o Drácula (perdão, pois ao fim de tantos anos esqueci o seu nome e apelido) e o Madureira. Muitos mais havia acrescentar mas sendo o espaço restrito passo adiante sem que no entanto dentro do meu ser os tenha alguma vez esquecido.

Com a ideia de divulgar esta festa de reunião resolvi juntar-me, este ano, mais uma vez, ao convívio daquela minha unidade, o Batalhão de Transmissões 361, formado em Angola em 1962, de militares vindos do Regimento de Engenharia onde fui inicialmente incorporado. Este Batalhão manteve-se activo até ao fim daquele conflito, após o 25 de Abril de 1974, embora com alteração no seu nome, como passando para Batalhão de Transmissões de Angola. Ao que me consta mais de dois mil homens foram formados nas sucessivas recrutas nesta unidade militar com muitos mais outros que vieram especializar-se ou completar baixas ou substituindo outros por doença ou ferimentos ou que terminaram as suas comissões e passavam à disponibilidade nas muitas unidades operacionais espalhadas pelo território de Angola...

Neste nosso convívio em Pombal chegaram camaradas dos quatro cantos de Portugal inclusive um autocarro fretado para transportar mais de quatro dezenas de veteranos e famílias da zona de Rio Tinto, do Porto e Braga.

Quero deixar os meus parabéns ao Luís Meireles que, juntamente com o Teixeira Pinto, foram os obreiros deste fantástico almoço/convívio. Merecem o nosso aplauso e agradecimento.

Esta reportagem concretizou-se devido ao gentil patrocínio das seguintes firmas da nossa praça: Ganadaria Sol e Toiros Inc, Europa Catering & Europa Convention Centre, Joseph Vieira Insurance, Macedo Wine Grapes Juice e Bento's Auto Tire Centre.  Aqui ficam os nossos agradecimentos ao Élio Leal, Manuel Paulos, Joseph & Patrick Vieira, David Macedo e Bento de S. José, respectivamente, tornando assim possível, mais uma vez, termos a presença dum enviado especial num encontro/convívio de ex-combatentes realizado no corrente ano na área de Pombal, Portugal. Para todos os nossos patrocinadores, um muito obrigado.

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